sábado, 30 de junho de 2012

OS DOIS TIPOS DE FERMENTO

Jesus usou a comparação do fermento para falar de duas realidades distintas:

O Reino dos Céus é comparado ao fermento que uma mulher toma e mistura em três medidas de farinha e que faz fermentar toda a massa” (Mt 13,33).

Guardai-vos com cuidado do fermento dos fariseus e saduceus. Então entenderam que não dissera que se guardassem do fermento do pão, mas da doutrina dos fariseus e dos saduceus” (Mt 16,6.12).

Afinal de contas, o que o fermento pode nos ensinar?

O fermento biológico se chama Saccharomyces cerevisiae e é um tipo de FUNGO que exerce a função de LEVEDURA (do latim levare = crescer, fazer crescer) na massa do pão. Mas por que e como o fermento faz a massa crescer?

O grande cientista Louis Pasteur disse que a "fermentação é vida sem oxigênio".

A principal função do fermento é produzir CO2 (gás carbônico) para expandir a massa. Não é um processo simples, são varias etapas e reações que se sucedem. Resumidamente, a levedura através de suas enzimas invertase e zimase, em contato com os açucares contidos na massa, provocam um processo chamado glicólise,  gerando o ácido pirúvico e liberando etanol e um gás (dióxido de carbono) que vai provocar "bolhas" na massa, aumentando assim seu volume. Tudo isso acontece silenciosamente.

Portanto, a fermentação tem a capacidade de aumentar o volume, criar espaço onde não havia espaço. Esse fungo microscópico é capaz de TRANSFORMAR a massa! Por isso Jesus nos apresenta dois tipos de fermentos: o fermento do Reino dos Céus e o fermento dos fariseus. Ambos são capazes de transformar. Um transforma a massa para Deus e nos aproxima da vida eterna e o outro transforma a massa para a hipocrisia e nos afasta de Deus.

O que impressiona e assusta na fermentação é o fato do momento decisivo ser o da "mistura", pois basta misturar o fermento na massa e ele faz o resto. Essa regra vale para o fermento do Reino de Deus, mas infelizmente também vale para o fermento do mundo. A mistura define o futuro da massa. Assim também as opções que fazemos com nosso livre arbítrio decidem o futuro de nossas vidas. Por isso Jesus nos recomenda cuidado.

Vivemos tempos difíceis, onde os meios de comunicação fermentam nas famílias, nas crianças e nos jovens uma mentalidade e uma cultura de morte totalmente contrária aos valores do Evangelho. Isso é muito grave, pois após a mistura iniciam-se silenciosamente as reações químicas que nos levam a conceber um mundo sem Deus. O gás produzido pelo fermento do mundo é o "gás do relativismo", onde "tudo pode" e "tudo depende". Assim cresce o número de batizados que se afastam da Igreja ou que passam a encará-la como uma mera e eventual possibilidade religiosa.

Existem alguns programas televisivos que concentram grande quantidade desse "fermento do relativismo": são as novelas e os realitys shows . Através desses programas, somos  levedados e fermentados com uma mentalidade contrária ao Evangelho. Muitos defendem a ideia de que o cristão deve ser capaz de assistir a tudo sem se deixar levar pela mensagem do programa. Quem defende essa postura ignora o silencioso poder da fermentação!

Dados da OMS (Organização Mundial de Saúde) comprovam que o suicídio aumentou 60% nos últimos 45 anos. No Brasil estima-se que ocorram 24 suicídios por dia. Sendo que para cada suicídio cometido temos a proporção de 20 tentativas frustradas. E tudo isso ocorre de maneira silenciosa... É fato que as pessoas estão "mentalmente fermentadas" por valores de uma cultura de morte, que exclui o princípio da vida, que é Deus. Disse Jesus: "Eu sou o caminho, a verdade e a vida" (Jo 14,6). Se não se percorre esse caminho nem se crê nessa verdade, não alcançamos a vida! Mas o que fazermos? Será que tem jeito?


O próprio Jesus nos ensina usando a mesma comparação do fermento. Precisamos do FERMENTO DO REINO para levedar e transformar a sociedade. Na Carta aos Romanos temos a receita infalível :

"Eu vos exorto, pois, irmãos, pelas misericórdias de Deus, a oferecerdes vossos corpos em sacrifício vivo, santo, agradável a Deus: é este o vosso culto espiritual. Não vos conformeis com este mundo, mas transformai-vos pela renovação do vosso espírito, para que possais discernir qual é a vontade de Deus, o que é bom, o que lhe agrada e o que é perfeito" (Rm 12,1-2)


A receita é justamente oferecer a Deus nossa própria vida como se fosse uma "massa de pão" a fim de que o fermento do Reino dos Céus nos transforme. Não podemos transformar ninguém, mas podemos e devemos nos deixar transformar pelo Evangelho! Nós somos a massa! Ainda que todos digam não ao projeto de amor de Deus, você pode dizer sim! A santidade está ao nosso alcance na medida em que permitimos que o Espírito Santo nos santifique, nos transforme e nos faça crescer na graça de Deus.

Assim como o gás carbônico faz crescer a massa do pão, o Espírito de Deus nos faz crescer nas virtudes, na vida sacramental, na oração, nas obras de caridades, etc. Veja que não é mérito da massa, é obra das enzimas do fermento. Por isso, não devemos nos orgulhar de nossas boas obras, elas são resultado da graça de Deus em nós. No entanto, devemos nos preocupar se a massa não estiver crescendo, se não estivermos progredindo na fé ou se nossa vida de oração estiver minguando... Pode ser que o fermento  de Deus tenha acabado em nossas vidas. E quando isso acontece é hora de voltarmos à Palavra de Deus, de voltarmos à Igreja, de procurarmos o sacerdote e fazermos uma boa confissão.

É como se fosse aquela brincadeira de criança chamada "cabo de guerra": ou você puxa ou é puxado! Não existe meio termo. Quem tenta ficar parado, é arrastado e cai num segundo. Portanto, ou você está crescendo na fé ou está minguando e crescendo na vida de pecado. Ou você "puxa para Deus" ou é violentamente "puxado para o Inferno". Alguns dirão "que exagero!" Infelizmente quem pensa assim já está sob o efeito das enzimas do relativismo que fazem crescer o orgulho, a autossuficiência e uma pretensa ideia de liberdade e maturidade.

Mas Jesus disse: "O Reino dos Céus é comparado ao fermento que uma mulher toma e mistura em três medidas de farinha e que faz fermentar toda a massa" (Mt 13,33).

Benditas mãos desta mulher! Bendita seja aquela que tomou coragem e misturou o fermento na massa! Essa mulher é a Virgem Maria! Ela permitiu por primeiro que sua própria vida fosse fermentada pela Palavra Eterna. Foi em seu ventre que Jesus, o fermento do Pai, cresceu, transformou-se e lhe transformou. E é através dela, que nós, seus filhos, devemos aprender a romper com o mundo e a optarmos radicalmente pela vontade de Deus: "Faça em mim segundo a vossa palavra" (Lc 1,38).

É por isso que ela se apressa em misturar esse mesmo fermento em nossas vidas. E isso acontece quando nos consagramos à Virgem Maria. Com ela tudo começa a mudar silenciosamente, como silenciosa foi sua vida. No silêncio de Maria foi fermentado o mais puro amor e a mais firme fé e esperança, de tal forma que aos pés da Cruz podemos contemplar o quanto Deus foi capaz de torná-la grande!


Não se conformar com este mundo significa guardar-se do fermento do pecado. Significa não permitir que misturem em nós aquilo que não pertence à mentalidade do Evangelho e aos ensinamentos da Igreja Católica. No Sermão da Montanha encontramos uma palavra muito dura de Jesus: "não atireis aos porcos as vossas pérolas" (Mt 7,6). Isso nos lembra uma dito popular que diz: quem com porcos se mistura, farelo come. O filho pródigo desejou comer a lavagem dos porcos (Cf Lc 15,16), mas nem isso lhe deram, por isso decidiu voltar à casa do Pai.


Peçamos a Virgem Maria, aquela que é a "cheia de graça" (Cf 1,28), que nos ajude a vivermos uma vida em Deus, sendo fermentados pela graça de Deus, e a progredirmos sempre na fé. Como seria bom que se atingíssemos, como diz São Paulo, "o estado de homem feito, a estatura da maturidade de Cristo" (Cf Ef 4,13), a fim de que "pela prática sincera da caridade, cresçamos em todos os sentidos, naquele que é a Cabeça, Cristo" (Ef 4,15).


Nossa Senhora de Caná, rogai por nós, que sempre precisamos de Vós!

Vinícius da Silva Paiva
Comunidade Católica Servos de Caná

segunda-feira, 4 de junho de 2012

O SANTÍSSIMO SACRAMENTO DO AMOR CONTAGIANTE

Toda vez que se aproxima a Solenidade de Corpus Christi, o Monte Tabor não me sai da cabeça. Imagino-me lá. Vejo-me na companhia privilegiada dos três apóstolos. Encanto-me por me encontrar ali.
É bom estar lá! Como é bom estar lá!
E esta não é uma conclusão válida apenas para Pedro, Tiago e João, testemunhas oculares, fascinantes e fascinados, pela presença da Presença que tudo invade com doçura e esplendor. Aquilo que Paulo, só mais tarde, iria poder dizer e expressar, os três experimentaram, ali, naquele momento, com toda a intensidade. “Tudo aquilo que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, e o coração de homem algum jamais percebeu, foi isso que Deus preparou para aqueles que o amam” (1Cor 2, 9).
É bom estar aqui! Como é bom estar aqui!
Este sentimento continua válido para nós, homens e mulheres do século XXI, quando as tecnologias avançam sobre a estrada da razão e pretendem assumir o lugar do sentido. Mas, sobretudo, quando o sentido, muitas vezes, já não faz sentido algum.
É bom estar aqui! Como é bom estar aqui!
Repito isso toda vez que chego ao Sacrário e repetirei, enquanto carregar o Senhor Glorioso no Sacramento do Amor pelas ruas de Niterói e São Gonçalo.
Esta é a grande novidade que temos a oferecer ao desorientado homem do nosso tempo. Este é também o maior desafio que temos a enfrentar, e que também nos desatina, sobretudo, quando, ao enfrentá-lo, descobrirmos a imensidão do que nos vem pela frente. Nosso desafio é este: encontrarmos sentido. Nossa novidade é esta: apontarmos o sentido. Se me permitem, digo mais: nossa razão de ser é esta – criarmos o sentido. “Tudo aquilo que os olhos não viram, os ouvidos não ouviram, e o coração de homem algum jamais percebeu…” Este é o sentido. E isso não  encontramos fácil, como quando apanhamos laranjas no quintal. Se o mundo não tem sentido, se o mundo perdeu o sentido, qual terá sido nossa parcela de contribuição para que isso acontecesse? Nunca se esqueçam de que somos, justamente, aqueles que alcançaram o sentido!
Nessa que chamamos de pós-modernidade, a grande crise é justamente a crise do sentido. Será pela crise de sentido que nossa época vai passar à História. Será dessa forma lembrada mais tarde. Nada mais faz sentido. Os meios de comunicação – meios de manipulação, entre outras façanhas – subverteram a ordem das coisas, deixando no lugar um imenso vazio de sentido e de direção. Essa é a “noite do mundo” – como dizia Martin Heidegger. A “noite do mundo” faltante de Deus.
É bom ficarmos aqui! É realmente muito bom ficarmos aqui!
E foi essa a palavra de Pedro, tomado da mais contagiosa emoção. No entanto, Marcos logo nos informa que “Pedro não sabia o que dizer, pois eles estavam com muito medo” (Mc 8,6). Aliás, todos nós, Pedros de todos os tempos, quase sempre não sabemos o que dizer, quase sempre estamos com medo, pois não alcançamos, nem entendemos o Pão da Presença, o Sacramento do Amor contagiante. Vocês compreendem o que acabei de fazer? Esta é a pergunta do final do Lava-pés.Vocês dizem que eu sou o Mestre e Senhor, e nisso dizem bem, porque sou mesmo. Pois se eu, o Mestre e Senhor de vocês, lavei os seus pés, vocês também devem lavar os pés uns dos outros. Eis o sentido!
Esta é a regra. Esta é a lei. Tudo é serviço. Nada é poder. Isso nos ensina cautelosamente o Pão da Presença, o Sacramento do Amor contagiante. Tudo o que fazeis, fazei-o na caridade (1Cor 16, 14).Acima de tudo, revesti-vos da caridade que é o vínculo da perfeição (Col 3,14). E, sobretudo: O amor de Cristo é o que nos impulsiona! (2Cor 5,14). Isso nos diz, silenciosamente, o Pão da Presença, o Sacramento do Amor contagiante.
Sem termos aprendido essa lição, qualquer experiência pseudoespiritual será, apenas, geradora de evasão da realidade; servirá para consolar corações frustrados; mas, também, infelizmente, cairá no gosto da tirania do prazer e da satisfação. Tratar-se-á, apenas, de um mini-hedonismo espiritual.
No espaço da vivência da fé, essa forma de esteticismo espiritual cria pequenos oásis para pessoas desencantadas do mundo. Lubrifica o sistema, porque adapta as pessoas aos seus problemas, tirando delas o que nada nesse mundo pode tirar: a capacidade de indignação. Longe de ser o óleo e o motor de uma nova humanidade, essa visão de uma mística autogratificante não favorece a qualquer processo de transformação nem de nós mesmos, nem da realidade. Este é o não-sentido.
É, realmente, muito bom estarmos aqui! Pedro tem toda razão. Mas o Sacramento do Amor contagiante pede-nos sempre mais. O que esperamos desse momento de Tabor em nossas vidas é que ele nos transforme, nos transfigure e faça brotar em nós o germe de homens novos, de mulheres novas, de uma nova humanidade.
Nosso tempo é pleno de sinais de esperança.
Se, por um lado, virmos o nosso tempo se perder numa busca desenfreada de prazer e de agrado  dos sentidos, é porque, por outro, nosso tempo também é ávido de encontrar o sentido. Existe uma busca incessante do sentido perdido. E não se trata de mero saudosismo, mas do esforço sobre-humano de reencontrarmos o sentido. Trata-se do esforço de reconhecermos um horizonte último.
Como sabemos disso?  Como saber que isso anda acontecendo?
Quero deixá-los com esses questionamentos. Quando levarmos o Senhor pelas ruas de nossas comunidades, levemos conosco essas perguntas: Como saber se o nosso tempo é o tempo do Senhor? Que sinais ele nos dá?
Da próxima vez, continuarei nossa conversa. Por ora, deixo-os no Tabor da Eucaristia, diante do Pão da Presença, do Santíssimo Sacramento do Amor contagiante que a todos nos ama, nos quer e nos impele.

+ Dom José Francisco Rezende Dias
Arcebispo Metropolitano de Niterói

(A Voz do Pastor - Junho/2012 - Fonte: http://www.arqnit.org.br/)